A cisma do gigante
1. A
politica anda meio adoidada no Brasil, tem muita falta de senso comum no ar, uma turma que só quer levar vantagens em
cima do povo, querem dinheiro, poder e fama às custas do erário público, gente inescrupulosa, faltosa de
espirito cívico, e como os brasileiros em geral pararam de ser coniventes e
estão mais plugados no bem comum maior,
estão indignados e levaram as ruas soberanas seu desacordo cabal com a classe
politica. O ministério publico
arrestando provas e mais provas, que realmente a pacatez da população demonstrou
união e força, exorcizou fantasmas de carne, osso e ambição, tudo parece que o
Gigante criou animo novo na voz autorizada de seu povo, e esboça um leve sorriso de
satisfação: 207 milhões de habitantes contra uma dúzia e meia de parlamentares,
agora vai!
2. Então
vamos que vamos tangendo a bigorna, almejando o mundo bom para todos, e que a
tola, arcaica, corrupta politica vá embora acompanhada de sua turma, e deixem o
gigante sonhar de novo um sonho latente de liberdade e democracia, com tudo no
lugar certo, as verbas aplicadas conscientemente, seu povo feliz, seu país
autenticado pela brasilidade...
3. E
o gigante parou uma esquina qualquer,
viu gente sofrida, desapercebida talvez, mas cheia de força e resolução, de
simpatia, bonomia e semblante calmo, ele descalçou suas botas e caminhou ao
lado dela, se apoiou em seu ombro e ouviu uma cantiga esquecida de acalanto...
4. Tão
bom seria, pensou, que fossemos todos assim, andar despreocupado, fala direta,
timbre sincero, e fisionomia de anjo arcano. Assim queria meus pais, e não este
chafariz torto de políticos torpes a atazanar e roubar a mancheia a riqueza de 207 de milhões de filhas e filhos
amados.
5. Mas
por ora ele vê uma realidade existencial tensa, triste e tênue, mas ele alima
sua esperança em dias melhores para sua prole, pois no dizer de Ovídio, viu ‘outros
ventos, outras tempestades’, esta fase brava vai passar, o Brasil é maior que
estes e estas deserdados da politica, saberá diluir esta crise nas suas
reservas de generosidade, chão pátrio e ações profícuas para o futuro.
6. Aqui
neste solo, pensa consigo, tem quinhentos anos de história, e já pisou nestas
paragens muito povo bom, muita gente má, muito estadista de nomeada, muito
santo, muito pecador, todos eles passaram indistintamente e o Brasil continuou
impávido e hospitaleiro.
7. Assim
foi, assim o é, assim será, este chão
fora marcado por tantas façanhas, umas artimanhas, viu duas décadas de governo
do PT em Brasília, e sua equivocada maneira de gerir a Republica, viu FHC,
inteligente e loquaz alavancar o plano real, equivocar-se depois e não aprovar
o ajuste fiscal, viu Collor pomposo, e sua pirambeira do impedimento, Sarney
culto e literato, Ulysses, Tancredo de uma vez, Itamar já dá para imaginar a
celeuma da politica nestas mãos consagradas do poder.
8. Assistiu
a abertura, e o período controverso da ditadura, e Juscelino, o Kubitschek o
idealizador do planalto central, e assim por
diante o gigante cismou a noite inteira com sua gente das ruas
brasileiras, cantou, chorou, declamou versos e mais versos ao amanhecer, deixou-se
inebriar pelas rimas de seus poetas das paulistanas alvoroçadas, e depois um
tanto cansado sentou-se na guia da calçada...
9. Assomou
ao seu semblante muitas lembranças, desavenças, demandas, gestos belos de tanta
gente, viu a torpeza da politica, seus acordos espúrios, suas intenções
subliminares, mas no contraponto viu o céu estrelado, os mares, as serras, o sertão
e as cidades apinhados de caras alegres, e sorriso franco; da republica nova
passou para a velha na marcha a ré de seu pensamento, Getulio Vargas, Café Filho, Whasington Luiz, Julio Prestes,
João Pessoa, Arthur Bernardes, e assim foi pulando de era para era nas antípodas
do calendário... Floriano Peixoto, Marechal Deodoro da Fonseca, e em 1889
aportou, numa tarde outonal em que o Grande monarca Pedro II fora deposto e em
seu lugar implantaram a malfadada republica federativa.
10. E
assim deu asas ao seu pensar, veio em sua memoria secular as margens do riacho
Ipiranga e o grito de liberdade de Pedro I, antes a regência de D. João no Brasil, os entraves do semi deus
Napoleão Bonaparte, as capitanias, hereditárias, os bandeirantes, os deportados
da coroa portuguesa,e também privou com Caramuru, Borba Gato, Anhanguera, a corrida do
ouro, a gesta de Frei Santo Galvão, Nóbrega e Anchieta das promessas divinas,
dos desígnios santos para a nação Brasil.
11. Sua caminhada de fé e arrojo se encerrou onde
tudo começou na Baia de todos os Santos, onde em 22 de abril de 1500, Cabral aportou suas naus,
Santa Maria, Nina e Pinta, e em terra ergueu nestas paragens a primeira cruz, a
primeira missa, onde num ósculo momentâneo de paz e bem querença, portugueses e nativos celebraram juntos o alvorecer de uma
nação, ‘ gigante pela própria natureza’ que passados 500 anos continua ainda
engatinhando e apesar dos pesares almejando o bem comum maior.
Chaia Alvim Helder
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