a agulha e o camelo
1. O marujo, velho lobo do mar, leva sua
embarcação a singrar o oceano, ciente dos perigos que o cerca, calçado em sua experiência ,
mas impulsionado pelo desejo de aventura perscruta o insondável horizonte, sua mente
está povoada de imaginação, seu peito bate forte, a cada partida a incerteza, a
cada chegada no outeiro da Penha uma alegria inconfessada.
2. Dias e noites infindáveis, meses transcorridos na proa e convés, e sopram os ventos,
advém as tempestades, calmarias, o sol caustica a si e á sua tripulação, a
noite o acalma. E ele quando avista a terra firme solta um grito de entusiasmo
consequente. Desejou ver o
termo de mais uma jornada e finalmente estará a salvo, ele, todos os
tripulantes e sua amada embarcação.
3. Ele
se recorda emocionado do livro da
sabedoria, abre suas páginas rotas pelo tempo e esmaecida pela maresia e lê
sofregamente mais um capítulo: “ Orei e foi me dada a prudência, supliquei, e
veio a mim o espirito de sabedoria, a preferi aos cetros e tronos e em
comparação com ela, julguei sem valor a riqueza, e ela não igualei nenhuma
pedra preciosa, pois, a seu lado todo o ouro do mundo é um punhado de areia e
diante dela a prata será como a lama.”
4. “...
Amei-a mais que a saúde, e a beleza, e quis possuí-la mais que a luz, pois o
esplendor que dela se irradia não se apaga, todos os bens me vieram com ela,
pois uma riqueza incalculável está em suas mãos.”
5. Afeiçoado
que era aos livros santos abriu outra página e começou a ler em voz alta o que
o apóstolo dos gentios dizia aos Hebreus – os marujos homens rudes e inocentes
se achegaram para ouvir as palavras entoadas em timbre grave: “ A palavra de
Deus é viva, eficaz e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes,
penetra até dividir alma e espirito, articulações e medulas.”
6. “
... Ela julga os pensamentos e as intenções do coração, e não há criatura que
possa ocultar-se diante dela, tudo está nu e descoberto aos seus olhos, e é ela
que devemos prestar contas.” Assim terminou a leitura naquela tardinha, ao longe se
avistava um bando de irerês sobrevoando a costa marítima em formação de farpa,
lá mais ao longe o campanário de sua aldeia, as casinhas brancas fumegando as
chaminés e um ar fresco soprou nas faces daqueles aventureiros incontestes do
mar.
7. No
outro dia seria domingo e na segunda seria a festa da Patrona do Brasil: a
Virgem de Aparecida, e lembrou-se da prédica do vigário, a sua voz sonora e
bondosa falando o sermão do ‘jovem rico’... Ainda tocado com aquela predica abençoada recordava pensativo;
8. –
‘ Bom mestre... o que devo fazer para
ganhar a vida eterna? Então quem pode se salvar? Para os homens isto é
impossível, mas para Deus tudo é possível"! E pensativo se transportava em
espirito para o mar da Galileia, e via Jeshuá entre os pescadores Simão Bhar
Jonas, André e Felipe, filhos de Zebedeu, e desejava estar lá também deixar
tudo e seguir o Nazareno até as ultimas consequências.
9. Aquele
marujo, velho lobo de mar, entendia bem as palavras de Jesus, afeiçoado que era
ao mar, possuía uma alma simples e contemplativa e no fundo do coração almejava
o mundo bom e ideal para todos os seus semelhantes.
10. Boquiaberto
imaginava o paradoxo em que se envolvera o jovem rico, de muitos haveres, escravos, e senhor de muitas vinhas
e rebanhos, e porque não seguira o Mestre? Porque não quisera o cêntuplo e a
vida eterna?
11. Seria
temeroso das perseguições inerentes à profissão da fé? Seria apego ás riquezas,
seria alguma donzela judia, esbelta como lírios do campo? Ele não sabia, mas
imaginava que o jovem não se desvencilhara de algum apego, qualquer que tenha sido ele...
12. E
o velho marujo entendia bem a fala de Cristo, entendia os termos a ele familiares: ‘kámelos
e kámilos’ . Que importava ser um cordame ou o camelo animal, pois Jesus queria
dizer a completa impossibilidade de alguém alcançar a vida eterna, se possuísse um
estado de espirito beligerante com o Evangelho e suas máximas de vida. –
“ Valha-me Deus!’
Helder Tadeu Chaia Alvim
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